Uma carta assinada pelo Conselho Aty Guasu, como é chamada a grande reunião dos Guarani e Kaiowá, traz um pesado desabafo dos indígenas de Mato Grosso do Sul por causa da impunidade dos autores do violento ataque ocorrido dia 14 de junho na Fazenda Yvu, em Caarapó, a 272 quilômetros de Campo Grande. Além disso, é explícita a ameaça de uma guerra com o Estado caso lideranças da Aldeia Te’ Ýikuê sejam presas pela agressão a três policiais militares que atendiam a ocorrência naquela ocasião.
A carta é fruto de um encontro ocorrido de sexta-feira (1) a sábado (2) entre “representantes de todos os Tekoha Guarani e Kaiowa do Estado” na “Terra indígena Ñamoi Guaviray, em Caarapó”. Divulgado no site do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), o documento ressalta dois pontos: a exigência de “punição dos assassinos do Massacre de Caarapó” e “que o Estado pare de violar nossos direitos e que garanta a imediata demarcação de nossas terras tradicionais”.
MASSACRE COVARDE
O Aty Guasu presta solidariedade às famílias das vítimas do ataque que resultou na morte de Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza e deixou outros seis índios feridos, crime classificado como “ataque paramilitar dos fazendeiros” que resultou em um “massacre covarde”. E exigiu aos poderes constituídos “punição imediata aos assassinos que são amplamente conhecidos e reconhecidos”.
Embora agradeça “o esforço do MPF para fazer justiça”, o conselho lamenta “profundamente a inércia dos outros setores”. “Vocês não podem ficar parados frente a tantas provas, vídeos e registros. Isto é mais que omissão, é participação e aceitação do Crime de Genocídio”, avalia.
GUERRA
Em outro trecho, o Aty Guasu diz que os Guarani e Kaiowá não aceitarão “que nenhuma das lideranças indígenas de Te’ýikue de qualquer um dos acampamentos de Retomada sejam presos”. Apesar da acusação de terem agredido três policiais militares que atendiam à ocorrência e incendiado uma viatura da PM, os índios reforçam que não mataram ninguém, “apesar da dor coletiva de todas as famílias pelo ataque e o assassinato de Clodiodi”.
“Afirmamos que nenhuma lideranças nossa será levada nem desta nem de nenhuma tekoha. Se apenas tentarem fazer isso paralisaremos todas as rodovias, retomaremos todos os nosso territórios imediatamente, e entraremos em Guerra com o estado porque aqui um pai perdeu um filho, nós perdemos um importante parente e nosso solo tradicional foi manchado novamente de sangue. Se um apenas for levado todos nós, de todas as tekoha iremos nos levantar, queimaremos os canaviais, destruiremos as plantações, mataremos os bois e retiraremos as usinas e as rodovias que ainda estão dentro de nossos tekoha nos explorando (sic)”, anunciam.
REZA FORTE
Os indígenas pedem seguidas vezes, na carta, que os processos de demarcação sejam concluídos sem as intervenções judiciais que os emperram. Argumentam que sem direito aos territórios tradicionais que reivindicam, são “açoitados nas praças, nas ruas, nas esquinas, até mesmo dentro de nossa própria terra”. E desabafam: “A policia ao invés de nos defender, vem junto com o fazendeiro garantir nossa retirada da terra e depois quer nos punir, punir as vítimas de um massacre como se fossemos criminosos”.
Ainda na carta, o Aty Guasu destaca que “se não houver justiça, nossos rezadores e rezadoras iniciarão uma reza forte para que venha o vento forte, a chuva, os terremotos, as catástrofes, e para que os elementos naturais vinguem nossos guerreiros”. “Lembrem que isso já aconteceu no passado. Depois dos ataques paramilitares no ano passado nossos rezadores e reuniram, se unificaram com as lideranças e fizeram chover tanto que as pontes caíram e em outros períodos que a seca castigasse todas as plantações”, menciona o conselho.
Os indígenas fazem em referência às chuvas torrenciais que do final de 2015 ao início deste ano levaram ao menos 37 municípios sul-mato-grossenses a decretarem situação de emergência por causa de sérios danos estruturais em rodovias e pontes. Lavouras também sofreram prejuízos com quebra de produtividade.
RETOMADAS
“Tudo isso, as mais de 390 mortes nos últimos dez anos e a situação de Genocídio que nosso povo vive pode ser evitada se nosso direito constitucional e originário for respeitado, por isso exigimos mais uma vez que seja garantido imediatamente a demarcação de nossos territórios sagrados e originários”, apelam os indígenas.
Ao final do documento, o Aty Guasu reforça a intenção de ampliar as retomadas de territórios que os Guarani e Kaiowá reivindicam em Mato Grosso do Sul. “Não pararemos, pra nós a única escolha que temos é acessar nossos tekoha originários. Cabe ao Governo se mexer para evitar que este direito tenha de ser garantido sobre o peso do findar da vida de tanta gente. Demarquem nossas terras, garantam nosso território, respeitem nossos direitos enquanto não acontecer garantimos aos senhores que cada passo dado será em direção de nossas retomadas, sempre em frente, nenhum passo atrás, já esperamos demais (sic)”, pontuam os índios na carta.