Por meio dos relatos bíblicos e achados arqueológicos, cientistas descobriram mais sobre a origem e os costumes desse intrigante povo. Mesmo com mais dados encontrados nos séculos mais recentes, a origem dos filisteus ainda é objeto de controvérsias entre os estudiosos. Largamente citados no Antigo Testamento, eles estiveram em passagens importantes, como as constantes guerras com os hebreus, entrelaçadas com as histórias de personagens como Abraão, Sansão e Davi, influenciando a cultura de Israel, mas desaparecendo com o tempo, por volta do século 7 a.C. Informações mais precisas e relativamente recentes levam a crer que são oriundos da grega Creta.
Quando da famosa expedição de Napoleão Bonaparte ao Egito, em 1798, foi levada para a Europa a famosa Pedra da Roseta, que Jean-François Champollion usou para decifrar os hieróglifos. Ainda no Egito, ao sul do país, os expedicionários franceses acharam desenhos e hieróglifos na parede do templo de Medinet Habu, que mostravam guerreiros com cocares de penas, lutando contra egípcios. Em 1829, o próprio Champollion esteve no templo e, traduzindo as inscrições, concluiu que narravam a vitória de Ramsés III contra a invasão dos chamados Povos do Mar, provenientes do Egeu, dos quais grande parte eram os filisteus, próximo ao século 12 a.C. A palavra “filisteu” figurava com destaque nas inscrições.
Era comum que povos vencidos em guerra prestassem serviços aos vitoriosos. Como mercenários servindo a Ramsés III, os filisteus foram enviados a Canaã, proteção da área então de domínio egípcio, e acabaram por colonizá-la, levando suas famílias. Com o declínio do Egito, herdaram a região, posteriormente conhecida por alguns como Filístia. Os combates com os vizinhos hebreus eram constantes. Em uma grande batalha contra os filisteus, nos tempos de Davi, Jônatas foi morto e Saul suicidou-se. Os inimigos dos hebreus também conquistaram o vale de Jezreel. Sansão tem sua história intimamente ligada à daquele povo. Feriu cerca de mil deles com uma queixada de jumento. Casou-se com a filisteia Dalila e sempre se envolvia com mulheres daquele povo, antes e após o casamento. Dalila, a serviço dos filisteus, seduziu-o e descobriu o segredo de sua notória força física, entregando-o aos inimigos. Foi num templo filisteu erigido ao deus Dagom que Sansão, entre duas colunas, derrubou-as e pôs o prédio abaixo.
As cidades dos filisteus evidenciavam o grande poderio econômico e militar daquele povo. Baseavam sua administração numa pentápole (área que compreende cinco cidades): Ascalão, Gaza, Asdode, Gate e Ecrom. O trabalho dos arqueólogos derrubou o estereótipo de que eram um povo bárbaro e incivilizado. Foram encontrados indícios de cidades bem organizadas, robustas, com eficientes muralhas e as áreas comerciais, industriais e residenciais separadas. A imponente arquitetura mostra influências egípcias e gregas.
Além disso, a construção local foi influenciada pelos Povos do Mar com o uso de grandes blocos esculpidos em pedra, no lugar do que antes era utilizado nas cercanias: irregulares rochas brutas e tijolos de argila. Também exibiam o domínio da arte da metalurgia, com grande destreza. Sua cerâmica era sofisticada, com utensílios ricos em relevos decorativos, ao invés dos vasos de barro cru antes feitos pelos israelitas, que aprimoraram a atividade da olaria com a influência indireta dos vizinhos. Dominavam com maestria a construção naval, que inovaram com o uso de velas móveis e âncoras de pedra e madeira, além do cesto da gávea, suporte onde um vigia ficava no alto de um mastro para melhor visualização do mar em volta.
Eram famosos pelos ótimos vinhos e pelo azeite de oliva de incontestável qualidade, com amplas instalações para os lagares e estoques. Falando em alimento, comiam carne de porco, algo impensável pelos hebreus, que viam o animal como impuro. No tocante à religião, eram basicamente politeístas, venerando falsos deuses como Dagom, Astarote e Baal, com a variação de nome Baal-Zebub, que originou Belzebu, nome dado a um demônio em várias culturas. Quando venceram os hebreus e capturaram a Arca da Aliança , levaram-na e a depositaram em um templo de Dagom em Asdode, cuja estátua caiu por duas vezes, além de doenças infestarem o povo. Os filisteus devolveram a Arca e nunca mais a quiseram como troféu.
Os filisteus não praticavam a circuncisão, ato que distinguia os hebreus, por isso chamados constante e pejorativamente por esses de “incircuncisos”. Saul, com ciúmes da popularidade de Davi, pede ao pastor guerreiro que, como dote para se casar com sua filha Mical, lhe traga 100 prepúcios dos filisteus, armando para que, em uma missão perigosa como aquela, o jovem morresse. Davi não só leva o que lhe foi pedido, como recebe Mical como esposa, a contragosto do monarca.
Desde a época em que a Arca da Aliança foi levada pelos descendentes dos Povos do Mar para Asdode, os hebreus eram obrigados a engolir constantes derrotas para eles. As bravatas para humilhar Israel eram constantes. Um dos mais famosos filisteus foi o guerreiro Golias, temido não só por sua destreza, mas também por suas proporções físicas que lhe valiam a alcunha de gigante. Todos os dias, no campo de batalha do Vale do Elá, ele esbravejava contra os judeus, desafiando-os. Até que um dia um pequeno pastor de ovelhas, filho de Jessé, foi levar comida para seus irmãos no front, e o resto da história todos já conhecem bem.
Com a derrota de Golias, começou o declínio dos antes poderosos filisteus no território de Canaã. Algumas vitórias os fortaleciam de vez em quando, como a do confronto que levou Jônatas e Saul. Davi tornou-se rei e nunca foi condescendente com aqueles inimigos. Judá e Israel foram unidos, e a nova grande potência aniquilou os filisteus em sua antiga importância.
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Mesmo com a virada no jogo do poder, os filisteus voltaram a ter poder e prestígio. Só que, por volta de 812 a.C., eles e seus históricos inimigos hebreus tiveram um destino, ironicamente, compartilhado. A Babilônia venceu Israel e destruiu Jerusalém. O rei babilônico Nabucodonosor dedicou-se, após, a destruir os filisteus, pois não aceitava quem o confrontasse em seu poder. Destruiu suas cidades e tornou os sobreviventes prisioneiros. Até hoje, escavações arqueológicas testemunham o cenário de devastação que causou o fim daquelas antes imponentes povoações, como Ascalão e Ecrom, só para citar algumas. Nabucodonosor escravizou ambos os povos e os levou para a Babilônia, onde serviram com trabalhos forçados por muitos anos.
Quando o Império Babilônico caiu pelas mãos dos persas, os escravos libertos voltaram para suas terras, repovoando-as, como aconteceu aos israelitas. Exceto os filisteus, aos poucos assimilados pela cultura babilônica durante o cativeiro. Suas antigas cidades foram ocupadas por outros povos. Amplamente presentes no Antigo Testamento, um dos povos mais poderosos dos tempos bíblicos teve sua participação na História completamente encerrada, não restando nada além dos relatos bíblicos e dos achados arqueológicos que mostram, acima de tudo, destruição. Assim como acontecia antes com sua origem, o modo exato como ocorreu seu fim em solo babilônico é um grande mistério.
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Quem eram os filisteus? A origem deste “povo do mar” (designação igualmente atribuída aos seus contemporâneos do atual Líbano, os fenícios) é incerta. Será que eram oriundos – como mostram as suas peças de cerâmica encarnadas e negras – da civilização micénica, portanto das ilhas gregas? Ou, em vez disso, vinham de uma tribo local do deserto ou da montanha? “O certo é que eram estrangeiros nesta região semita”, onde se sabe que estiveram presentes ao longo de uma pequena faixa costeira, que vai desde a atual Gaza até Telavive, entre 1200 a.C. e 600 a.C. Comerciantes e marinheiros orgulhosos, os filisteus falavam uma língua de origem indo-europeia, não praticavam a circuncisão e comiam porco e cão como testemunham ossos encontrados nas ruínas de quatro outras cidades filisteias vizinhas: Gate, Gaza, Asdode e Ecrom, que formavam a sua nação.
A Filístia, abrangendo uma área desde um ponto perto de Jope, no N, para baixo até Gaza, no S, estendia-se uns 80 km ao longo do mar Mediterrâneo e uns 24 km terra adentro. “O mar dos filisteus”, evidentemente, refere-se à parte do Mediterrâneo ao longo da costa da Filístia. As dunas de areia ao longo do litoral penetram terra adentro por uma considerável distância, às vezes até 6 km. Fora disso, a região é fértil e tem cereais, olivais e árvores frutíferas. Durante grande parte do período das Escrituras Hebraicas, os filisteus ocupavam a planície costeira e estavam entre os inimigos declarados de Israel. Os filisteus, povo incircunciso, consultavam supersticiosamente seus sacerdotes e adivinhos ao tomarem decisões. Na sua terra, conhecida como a Filístia, havia as cidades de Gaza, Ascalom, Asdode, Ecrom e Gate. Cada uma destas cidades, durante séculos, era governada por um senhor do eixo. A ilha de Creta (usualmente tida como Caftor), embora não necessariamente o lar original dos filisteus, foi o lugar de onde migraram para a costa de Canaã. Não há certeza quando esta migração ocorreu. Todavia, já no tempo de Abraão e de seu filho Isaque, havia filisteus morando em Gerar, na parte meridional de Canaã. Eles tinham um rei, Abimeleque, e um exército sob o comando de certo Ficol.
A conclusão a que chega o Novo Dicionário da Bíblia é: “Não há motivo pelo qual pequenos grupos de filisteus não pudessem estar presentes entre os primitivos comerciantes da área do mar Egeu, não com bastante proeminência para serem notados pelos estados maiores.” Quando Israel partiu do Egito, em 1513 a.C, Jeová decidiu não guiar os israelitas pelo caminho da Filístia, a rota mais direta do Egito para a Terra da Promessa, para que não ficassem desanimados diante duma guerra iminente e para que não decidissem voltar ao Egito. Os filisteus provavelmente não encarariam a aproximação de milhões de israelitas como mero trânsito internacional, que normalmente passava pela sua terra. Eles eram, então, um povo estabelecido, ao passo que a região do Sinai, para a qual Deus encaminhou Israel, tinha na maior parte tribos nômades e muitas regiões despovoadas, nas quais Israel podia entrar sem provocar logo um conflito.
O profeta Samuel presenciou a opressão por parte dos filisteus e também participou em derrotá-los. Enquanto servia no tabernáculo em Silo, durante a parte final do juizado do sumo sacerdote Eli, os filisteus golpearam cerca de 4.000 israelitas na região de Afeque e de Ebenezer. Os israelitas mandaram então trazer a Arca Sagrada ao campo de batalha, pensando que isto lhes daria a vitória. Os filisteus intensificaram seus esforços. Trinta mil israelitas foram mortos e a Arca foi capturada. Uns 20 anos mais tarde, os filisteus marcharam contra os israelitas, os quais, sob a direção de Samuel, se reuniram em Mispá para adoração. Desta vez, Deus lançou os filisteus em confusão, habilitando seu povo a subjugá-los. Posteriormente, as cidades que os filisteus haviam tomado de Israel voltavam a Israel, desde Ecrom até Gate.
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Do reinado de Salomão em diante, durante anos seguidos, não há registro de guerra com os filisteus. O filho de Davi, Salomão, teve um reinado pacífico (1037-998 a.C), e seus domínios estendiam-se até a cidade filisteia de Gaza. Uns 20 anos depois de vir a existir o reino das dez tribos, os filisteus ocuparam Gibetom, uma cidade em Dã. Na tentativa de tomar a cidade, o rei Nadabe, de Israel, foi morto por Baasa, que consequentemente começou a reinar. Gibetom ainda estava sob controle dos filisteus uns 24 anos mais tarde, quando Onri, chefe do exército de Israel, acampou contra ela. No reinado de Jeosafá (936-c. 911 a.C), os filisteus, pelo visto, estavam sujeitos a ele, porque lhe traziam presentes e tributo. Mas, durante o governo do seu filho Jeorão, os filisteus e os árabes invadiram Judá e levaram embora considerável despojo de Jerusalém. Levaram também cativos as esposas e os filhos de Jeorão — todos exceto o mais jovem, Jeoacaz. Décadas mais tarde, o rei Uzias, de Judá, guerreou com êxito contra os filisteus, capturando Gate, Jabné e Asdode. Até mesmo construiu cidades em território filisteu. Todavia, no reinado do neto de Uzias, Acaz, houve a captura de várias cidades israelitas pelos filisteus, que passaram a residir nelas, desde o Negebe até a fronteira setentrional do reino de Judá. O filho de Acaz, Ezequias, em cumprimento duma profecia transmitida por Isaías, golpeou os filisteus até Gaza.