Havia na cidade uma mulher pecadora, que teve notícia da presença de Jesus, e naquela noite ficou sabendo que o mestre tinha sido convidado para jantar, na casa de um dos fariseus. Sem se importar com eles e com sua condição de mulher pecadora, entrou naquela casa, carregando em seus braços, o precioso vaso de alabastro, e foi logo de joelhos, ungindo os pés do mestre amado. O choro tomava conta de si, e com suas lágrimas regavam e beijava os pés de Jesus, e com seus longos cabelos, enxugavam-nos carinhosamente. Ofereceu, portanto, ósculo santo a Jesus, pois somente a Ele se oferece louvores. Essa atitude de dar ósculo santo agradou o coração de Jesus, pois, Ele viu ali, naquele momento, uma atitude de fé, de reverência e respeito daquela mulher, que de imediato foi perdoada, dizendo: Vai-te em paz, tua fé te salvou. Diferentemente, não aconteceu com os fariseus. Estes, não reconheceram a autoridade de Jesus, e nem lhes deram ósculo santo devido, e ainda, criticaram a atitude da mulher, ao ungir os pés de Jesus, e com toda certeza, via naquela atitude um desperdício, pois, o unguento era caro e precioso para ser usado nos pés.
Há, porém, quem advogue a possibilidade de terem ocorrido até três casos em que Jesus seria ungido por mulheres diferentes, mas as coincidências não reforçam a afirmação. O Dicionário Bíblico de Douglas, na página 1007, afirma que a mulher que ungiu a Jesus em casa de Simão foi Maria, irmã de Marta e de Lázaro, e que o próprio Simão tinha parentesco com os três. Mateus, Marcos e João concordam em que Jesus foi ungido em Betânia, e Mateus e Marcos especificam que isso aconteceu em casa de Simão”. Quanto ao pejorativo “hamartoulos” – pecadora, que Lucas insere, não é obrigatório julgar-se que Maria – a Maria piedosa de Betânia – fosse uma mulher de moral duvidosa, como alguns comentaristas sugerem, mas que ela, em presença de Jesus, sentira as suas próprias carências e buscara abrigo na honraria que achou por bem fazer-lhe. Mesmo porque não se admite que a honradez encontrada em Marta e Lázaro, a ponto de Jesus chegar a amá-los e a comover-se diante do fato fúnebre que os envolveu, encontrasse tolerância numa atitude menos conveniente da parte da irmã sob o mesmo teto.
A despeito da atual reabilitação da figura de Maria Madalena, – e isso inclui o Vaticano -, após inúmeros séculos de preconceito e ocultamento, questões importantes ainda permanecem nebulosas. Entretanto, mesmo sem recorrer aos apócrifos, os evangelhos canônicos, se consultados, se reportam à Madalena como a Testemunha da Ressurreição, aquela mulher a quem Jesus aparece antes de Sua ascensão, enviando-a como portadora da boa nova aos demais discípulos. Se há concordância quanto a ter ocorrido em Betânia, lar dos três discípulos irmãos, amados de Jesus, Maria Madalena, Marta e Lázaro, a narrativa disserta em Lucas que a mulher é uma pecadora em casa de um fariseu; em Mateus e Marcos é uma desconhecida em casa de um leproso; já em João, é a irmã de Marta e Lázaro. Maria, na verdade, Maria de Betânia, ou Maria Madalena. Versículo Chave demonstra que o Mestre apreciou este ato notável de devoção amorosa realizado por Maria e imortalizado por declarar que seria contado através do tempo para memória dela.
Tal constatação demonstra o quanto esse tema sofreu sigilo e intencional obscurecimento, ou para evitar perseguições por um lado, ou porque a importância de Madalena, hoje reconhecida como a suprema apóstola, descrita textualmente nos evangelhos apócrifos como a “companheira de Jesus. Ela seria aquela que viu o Todo, e a quem o Mestre amava mais do que aos outros. Madalena sofria de colisão total com a mentalidade e os costumes da época, onde a mulher não possuía sequer reconhecimento social, e muito menos espiritual.
A atitude desta mulher abnegada atesta o fervor de uma discípula em vias de total rendição ao Mestre, porém, na antiga cultura judaica, tal atitude denotaria intimidade entre ambos, oriunda de um grande elo de amor análogo ao Hieros Gamos, ou casamento sagrado. A referida figura feminina unge a cabeça do Salvador para o Seu funeral, ou sepultura. Ora, a unção da cabeça, – somente admitida por bispos, papas, rainhas, profetas e profetisas imperiais e outras autoridades -, consagra o Rei Sacerdote como um “Messias” – Cristo, do grego, Ungido -, cujo sacrifício expiatório redime toda uma comunidade, e no caso de Jesus, da humanidade toda.
Naquela época, apenas mulheres da família embalsamavam o corpo dos mortos, tal se vê nos evangelhos ao se referirem à Maria, Salomé e Maria Madalena na tumba do Nazareno. Contudo, quando o caríssimo nardo puro de um vaso de alabastro unge o Mestre, Ele está vivo e nem sequer anunciara o mistério de Sua morte. Assim, Madalena profetiza, ou pelo menos, conhece tal acontecimento futuro. Ungindo o Cristo antecipadamente para o Seu funeral, ela torna sagrado o sacrifício de sangue que Ele virá a fazer. Tal atitude a transforma, portanto, na Suma Sacerdotisa do Rei Sacerdote, Jesus, que jamais poderia ter Sua cabeça ungida por uma pecadora, prostituta ou mulher comum. Além do que em todos os quatro evangelhos, o Mestre explicita que ela seja “celebrada e lembrada pelo que fez”, algo que não aparece em momento algum do texto relativamente a qualquer outra pessoa. A cena da sagrada unção da cabeça de Jesus por Madalena foi praticamente ignorada pelas obras de arte e cenas litúrgicas, porque deveria, se reconhecida, redimensionar de modo absoluto e transparente tamanho significado.
Baron Marochetti, responsável pelo grupo escultórico que representa a ascensão de Madalena no altar do Templo de La Madeleine, em Paris, cuja igreja é um dos raros lugares no mundo que perpetua a tradição da apóstola da Gália, onde é revelada sua apoteose, na transfiguração, levantando a ponta do véu dos mistérios que a envolvem há dois mil anos.